maio 22, 2013

“ANTROPOFAGIA”: CAPTURANDO IMAGENS INDÍGENAS NA RIO+20

Artigo de Marcos Alexandre Albuquerque, Barbara Arisi e Waleska Aureliano.
“ANTROPOFAGIA”: CAPTURANDO IMAGENS INDÍGENAS NA RIO+20

Resumo: Esse ensaio fotográfico aborda o contexto da produção imagética feita pelos e sobre os indígenas durante a Rio+20. Enfatizamos aqui flagrantes e performances indígenas cuja centralidade está na produção de imagens em diferentes formatos. Por meio desse registro imagético é possível questionar a proeminência de um tipo de exotismo cuja autenticidade é invocada na construção do diálogo intercultural.
Palavras-chave: indígenas; Rio+20; autenticidade; imagem.




LONDRINENSES - OSCAR
Barbara Arisi


O pequenino Oscar Park já estava chorando de novo. Saudades é uma palavra que não existe em inglês, mas Oscar conhece a fundo seu significado. Sua mãe é irlandesa; seu pai, londrino, mas a babá é brasileira. Com ela, Oscar aprendeu a sentir saudades, aquele banzo que os negros escravos trouxeram como herança para a terra nova dentro do peito e os brasileiros exportam com essa facilidade de passar mercadorias perigosas pelas aduanas.

Oscar ainda é pequeno, seus cabelos são completamente amarelos, sua pele rosinha clara, seus olhos duas bolitas azuis e, quando ele ri, seus dentes pequenos aparecem, come seus pedacinhos de bacalhau com macarrão enlatado com molho de tomate, tudo direto do freezer para o microondas e do microondas para o pratinho de plástico verde com desenho de tiranossauros.
A casa da família Park fica perto do Stockwell Park, tem três andares e para os padrões europeus é enorme. O pai de Oscar é arquiteto e a mãe é médica, o pai tem um escritório perto de Picadilly e ficou famoso quando era hippie nos anos 70 e desenhou o muro, The Wall, do Pink Floyd. A mãe nasceu em Belfast de família católica e por isso Oscar foi batizado cristão. Foi logo depois do batismo que Lucíola telefonou para pedir emprego, sugerida por uma agência de babás que não se importava com sua falta de papéis.

Quando a senhora abriu a porta para entrevistá-la, Lucíola notou que havia um certo desencanto nos olhos da irlandesa. Sentada no sofá, Lucíola perguntou se o casal esperava que ela fosse diferente. O casal riu. “Pensávamos que você era negra”, disse a mãe. “Oscar teve uma babá negra e gostava muito dela, quando ouvimos sua voz rouca e você disse ser brasileira pensamos que você era negra, é isso.” Lucíola saiu-se com essa: “Ora, a senhora pode não ver, mas eu sou negra também”.

A senhora esboçou um sorriso, mas foi Oscar quem resolveu a situação arrastando um livro enorme até seu lado e tentando escalar o sofá para que aquela moça lesse o livro para ele e lhe mostrasse as figuras. Pronto, o menino já havia selecionado sua nova babá. No próximo dia, Lucíola começou a cozinhar lentilhas para ele, achava uma loucura que um menininho tão pequeno comesse apenas enlatados.

Oscar e Lucíola se divertiram sujando a mesa com um mar de lentilhas e olhando as figuras dos livros de plástico com desenhos de leões e mosquitos e patos e elefantes. Ela falava com o menino em português e ele repetia aquelas palavras tão bonitas, tão sorridentes e ensolaradas. Quando Lucíola falava inglês com o pequeno achava que ele a estranhava, portanto seguiu falando português e só usava inglês quando os pais estavam por perto.

Nos dias de calor, quando chegou o verão, tiravam juntos uma soneca no Stockwell, ele no carrinho, ela estirada na grama e depois iam comer torta de morango no café do parque. E agora que ela se fora, o pequeno Oscar carregava aquele sentimento tão pesado, triste, solitário. Saudades, como se fosse permitido exportar para todo o mundo um sentimento de desterro tão violento.

Publicação impressa pela Unila Cartonera. 2013.
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